O filme “La Prima Cosa Bella” de Paolo Virzi, que concorreu ao Oscar na
categoria Melhor Filme Estrangeiro, fala sobre Bruno, um professor
desinteressado, sem grandes vínculos as pessoas, que vive em Roma quase
desejando ser um desaparecido na vida e desaparecer de sua família.
Bruno era um homem de ressentimentos, sofrimentos silenciosos, que o
torturavam e o desvitalizavam. Sua mãe, sua irmã, cunhado e dois sobrinhos
moravam em Livorno, sua cidade natal, de sua infância e adolescência... Para
muitos, como para ele, se distanciar geograficamente parece a solução. No
entanto para se manter na fuga, precisa-se conservar a dor que a motiva.
A distância não nos protege dos fantasmas que não exorcizamos, pois eles
permanecem em nós renovando as lembranças e vampirizando a nossa vitalidade
para viver. A conservação dos grandes ressentimentos cria a melancolia e a
anorexia afetiva.
Qualquer ser humano se alimenta dos afetos dados pelas pessoas, de suas
palavras, olhares e gestos. Precisamos deles para alimentar o nosso mundo
psíquico.
Um grande ressentimento, uma grande mágoa fecha as aberturas para todos
os afetos. Uma pessoa ressentida se torna defendida, carente e com o tempo
amarga, agressiva e incapaz de criar vínculos profundos e duradouros.
Bruno acaba se vendo obrigado, por sua mãe estar na fase terminal de um
câncer, a reencontrá-la. Reticente, enrijecido na alma foi resgatando pouco a
pouco o menino que havia dentro dele e com os olhos de um adulto refaz o
percurso do destino passado.
Descobre em sua mãe, uma mulher corajosa e que por amor aos filhos e
para criá-los se submeteu a situações delicadas e controversas moralmente.
Qualquer pessoa cresce, quando começa a lançar um olhar de compreensão aos
limites do outro. Qualquer pessoa se humaniza, quando percebe que na vida as
pessoas não acontecem para nós como precisamos: elas acontecem como podem e
assim também seremos em relação às outras.
As pessoas não são desenhos que vão se encaixar totalmente em nossos
vazios, nos fazendo sentir plenos e absolutos. A renúncia a ideia de plenitude
absoluta é um grande salto a capacidade de viver e sobretudo uma aproximação a
felicidade.
A desconstrução de determinadas premissas infantis e utopias do absoluto
no amor, nos liberta e nos aproxima da satisfação, da serenidade, da lucidez e
do perdão.
Como Bruno o fez, pouco a pouco, ao lançarmos um olhar generoso e aberto
a compreensão, passamos a conseguir nos alimentar dos gestos imperfeitos, mas
habitados de amor incondicional por nós.
Qualquer alimento deve ser lavado e retirado dele as partes
comprometidas. Se nos alimentamos também psiquicamente das pessoas, devemos
purificar através das nossas compreensões os gestos poluídos.
Há sempre um amor a se resgatar em nossa vida.
Perdoar o destino para se libertar é soltar das duas mãos a indignação
datada, para ter mãos livres para cumprimentar o obrar de um futuro de
reinvenção da vida. É dar uma destinação mais inteligente ao destino por vezes
tão indiferente a nós.
Nesta semana tivemos a cena de “Um Aperto de Mão Para a História”. Em
Belfast a rainha Elizabeth aceitou o aperto de mão oferecido pelo ex-comandante
do Exército Republicano Irlandês (IRA) e hoje vice-premier da Irlanda do Norte,
que não curvou a cabeça, assim como ela não respondeu aos votos que ele
desejou. No entanto, tais ressalvas não minimizam e enfraquecem a importância
do ato. Ela de verde, símbolo da esperança, soltou como ele a mão ofensiva para
abrirem a mão para uma paz depois de 30 anos de tantas mortes.
Dizem, que o céu e o inferno são aqui. Mas se pudermos contribuir para o
aumento da extensão da paz, neste “aqui” interior estaremos cultivando “La
Prima Cosa Bela”.