terça-feira, 28 de agosto de 2012

Os Seus Amores, Você Os Conhece? Parte 3 A Busca do Grande Outro


A Busca do Grande Outro

Quando chegamos numa cidade que não conhecemos e que não dominamos o idioma, gostamos de ter alguém que nos espere e oriente. Alguém que nos acolha e nos dê indicações, para que possamos seguir nossos caminhos.

Nasci no mês de agosto e quando cheguei neste mundo, que lógico não conhecia, tive quem me esperasse. Aliás como caçula, nasci após onze anos, muitos me esperavam, muitos me acolheram e me orientaram. Foi neste meu primeiro encontro ao nascer, que foi plantada em mim a semente do amor. É deste primeiro encontro que nasce o amor na experiência humana. 

Mais tarde na vida quando uma pessoa “elege” um objeto de amor, está na verdade de modo inconsciente instigada por um movimento de busca. 

Busca de que? Busca de encontrar aquele abraço acolhedor em sua chegada na vida.

Quanto mais acolhida foi uma pessoa, mais o seu mundo psíquico é abastecido de amor e com isto poderá fornecer na fase adulta, a crença quanto à existência deste sentimento. A psicanálise afirma, que encontrar um objeto de amor é, de alguma forma, reencontrá-lo. 

A presença do “Grande Outro” é fundamental para o equilíbrio da nossa vida psíquica. A própria psicanálise é um exercício de acolha através da escuta e do olhar, que busca neste modo propiciar o amansamento de uma dor existencial.

Em 1981 a Colônia Juliano Moreira, hospital psiquiátrico no Rio, começou a trocar o eletrochoque pela conversa para fins terapêuticos com os psicóticos. No grupo de estagiários estava Rosângela Magalhães, que desenvolvia um trabalho de escuta no núcleo de portadores das psicoses graves. Entre eles, se encontrava o que se tornou o grande artista plástico Bispo do Rosário. Em recente entrevista para a Folha de São Paulo, Rosângela conta – “Eu o acolhia, tentava compreendê-lo e vivenciar com ele o que era ficar ali fazendo aquelas coisas.” Nos relata que após um tempo, Bispo passou a escrever o nome dela em suas obras e ela ainda serviu de inspiração para duas grandes criações, que inclusive estarão na Bienal de São Paulo deste ano. Foram três anos de trabalho, três anos de amor platônico, que ajudaram a canalizar o sofrimento dele através da palavra e este acolhimento terapêutico, se transformou pouco a pouco numa arte de altíssimo nível. Conseguiu sublimar sua dor através da arte. 

Assim como Bispo de uma certa forma renasceu, podemos também fazê-lo em cada abraço de amor. O encontramos nas ideias acolhidas, nas dores escutadas, nos olhares percebidos, nos sentimentos adivinhados, nas gentilezas, nos lugares agradáveis, encontramos também nas orientações que nos proporcionam, nos estímulos que nos dão. Somos “necessitantes” dos abraços amorosos físicos, psíquicos e espirituais. Além dos momentos agradáveis, também buscamos sermos pares. Esta busca nos revela o que desejamos inconscientemente no amor: nos consolar, nos apaziguar e nos estimular.

Mas será que a busca é a mesma para todos? 

Se disser sim, cometeu um engano. 

Cada um ama sob uma forma pessoal.

Amor Espelho... Amor Projeção... Amor Transferencial...

No Amor Espelho uma pessoa deseja o igual, quase o desdobramento do seu mesmo. Quando se fala de alma gêmea diz-se sobre esta relação espelho. 

O Amor Projeção procura no outro o que gostaria de ser e não é. É a busca complementar de traços, qualidades e forças. O amor projeção anseia o outro, mas de modo a somar diferenças, como se fosse a união de especialidades para construir um projeto de existência.

Já no Amor Transferencial se deseja encontrar no outro o que um dia se foi, mas por alguma circunstância não se é mais.

Alguns poderiam dizer que uma relação então, é algo de essência neurótica, pois se busca no outro o que falta em si mesmo ou o espelho do que se é. Primeiro, não há procura de algo sem falta e se somos este ser a procura, somos também seres com lacunas; segundo, ninguém basta totalmente a si mesmo. 

Toda relação implica em ser afetado de algum modo pelo outro. 

Uma pessoa absolutamente isolada e imutável não existe. Como diz o psicanalista francês Philippe Jeammet – “Nossas células se renovam, nossos genes se exprimem em função dos ambientes e todas as conexões neurais se enriquecem com os estímulos externos.” O mundo que nos cerca nos afeta para o bem e para o mal. E prossegue – “Até o fim de nossa vida somos seres a se tornar, em cocriação com aqueles que nos cerca.”

No livro “O Segundo Suspiro” que inspirou o filme francês “Intocáveis”, Philippe Pozzo di Borgo escreve – “Um dia, me espatifei entre o mato verde e o inferno”, relatando o acidente de parapente que o deixou tetraplégico. Este relato autobiográfico que levou 20 milhões de franceses ao cinema, fala sobretudo da importância das relações humanas, da necessidade da presença do outro em nossas vidas. Como disse Philippe – “Tudo seria melhor se compartilhássemos mais.” A dinâmica da convivência de Philippe com Abdel Sellou contratado para ser seu ajudante pessoal, mostra como cada um tem algo especial a oferecer e como somos estimulados pelos aspectos de cada pessoa presente em nossas vidas. A presença do “Grande Outro” fortaleceu Philippe, mas também fortaleceu Abdel. Como disse Philippe, os dois foram afetados positivamente um pelo outro. Philippe absorveu de seu acompanhante o tino de sobrevivência, a lealdade e o senso da boa ironia e Abdel, o respeito pelo outro, por si mesmo e o que se é capaz de realizar se dermos duro na vida. O “amor projeção” presente nesta amizade, demonstrado neste filme biográfico, construiu duas novas pessoas. Através da boa convivência se tornaram mais aprimorados e capazes. Sem perceber conscientemente, pouco a pouco ,construíram o escudo para permanecerem “Intocáveis” em suas essências, em relação aos seus dramas pessoais.

Ao se refazerem, se reestruturaram para uma nova etapa. Uma forma de nascimento para cada um. 

Em cada aniversário que comemoro, recebo das pessoas beijos, palavras de carinho... abraços de amor. 

O aniversário é mais do que uma comemoração é uma data de renovação e continuidade.

O melhor presente?

Se cercar de presenças amorosas, para que a alma possa sempre se manter Intocável a Dor e Sensível ao Amor.