Prazer no Banal
Fui a São Paulo e aproveitei para visitar a exposição Caravaggio no MASP, como era relativamente pequena, me restou tempo para rever no segundo andar a mostra “Romantismo”, organizada com 79 obras do próprio acervo. Além das telas, me encantei mais uma vez, com os textos que a curadoria selecionou para explicar, de forma filosófica, a sequência das obras. Abaixo de uma delas estava este pensamento do poeta alemão Ludwig Tieck – “Deveríamos fazer do comum algo extraordinário e então nos surpreenderíamos descobrindo que está muito perto de nós a fonte de prazer que buscamos em algum lugar distante”.
O prazer no banal é uma conquista a ser realizada na vida, que impõe para tal, muitas vezes, uma revolução psicológica no modo de pensar, pois exige voltar atrás em relação às premissas em si estabelecidas do que é o prazer e a dinâmica dele em nossa vida psíquica. Como diz o curador da exposição, para toda revolução ser realizada, deve-se voltar atrás em algumas ideias e eleger outras que não se considerava corretas.
Para que uma pessoa se modifique, ela deve se abrir à percepção de que qualquer mudança envolve disponibilidade para rever premissas, disponibilidade para reconhecer se a permanência delas traz o prazer que deseja, e a partir daí buscar introjetar novos paradigmas para refletir a vida.
O prazer que temos com algo está em nossa mente e não na coisa em si. Se tivermos uma criança que brinca durante horas com uma boneca sem braço, com um carrinho sem porta, com um cavalinho sem perna, enquanto que outra chora porque os brinquedos estão imperfeitos... O que estaria acontecendo? Qual seria a diferença entre elas?
A diferença entre uma e outra, entre o prazer de uma e o desprazer da outra, estaria no grau de envolvimento e na sua implícita psicologia pessoal. A que brinca e extrai prazer com os brinquedos incompletos, vive a poesia no banal e a que não consegue, destrói a poesia com seus olhos áridos e faz com que reste para ela se alimentar apenas da sensação do banal, porque o grau de exigência e ilusão em relação ao seu prazer é imenso.
Um grau de exigência muito elevado, incompatibiliza a conquista do prazer na vida real. Torna-se uma ilusão.
Por isso concordo com a ideia de outro pensador alemão Ludwig Borne “Perder uma ilusão torna-nos mais sábios do que encontrar uma verdade.”
Alguns esperam que as coisas sejam encantadas, outros se encantam com as coisas, uns delegam a mágica ao mundo, outros põem o mago em si mesmos.
A “Arte do Entusiasmo” é para ser desenvolvida na nossa alma, para que altere a nossa vivência no mundo das banalidades. É a arte do envolvimento com aquilo que está a sua frente. Aprender a viver sem um antes e um depois.
Muitas vezes a memória de uma pessoa mais velha não é pior do que a de uma jovem, apenas o seu olhar está pousado em outro lugar. Uma pessoa considerada psicologicamente idosa, independentemente da idade, é aquela que tem para si, a ideia de que os conteúdos da vida que a fascinavam, já não mais existem: considera que tudo que é encantador ficou para trás e que o futuro perdeu o sentido a ponto de parecer que não tem mais significado. O Entusiasmo se foi... e a velhice se estabeleceu...
Há velhice em qualquer idade, para ela se estabelecer basta perder o entusiasmo. Ao contrário do que pude sentir ao visitar no mesmo dia a Fundação Ema Klabin. Lá percebi, o quanto uma mulher viúva e sem filhos não fixou o seu olhar no passado, nas suas ausências e encontrou em si o encantamento. Traçou como meta usufruir a sua existência, lançando um contínuo olhar curioso sobre o mundo, a música e a arte. Deixou para nós as suas paixões e o seu vigor no viver.
Após estas visitas, sentei na “Pâtisserie Douce France” nos Jardins e pedi um café, um pedaço de bolo e me disse, que minha vida nunca iria virar abóbora... Que ficaria atento, para que mesmo voltando a São Paulo pela enésima vez, não deixaria nada se transformar em banal... Que a idade viria, mais um ano se completava em minha vida naquela semana, mas que nunca iria permitir que os momentos perdessem os seus encantos. A magia estaria sempre em meus olhos.
O Romantismo, tema da encantadora exposição, é antes de tudo um movimento de adesão as cenas do instante. Não mais apenas a contemplação.
No enamorar romântico com os instantes, uma pessoa vê a poesia, a beleza e o prazer, pois se mistura na entrega em estado de amor.
Se o seu cavalinho estiver manchado e desbotado, o seu olhar interessado, o seu novo enamoramento, fará revelar o perfeito no imperfeito. Deste modo se realiza a sua Revolução Romântica, e você passará a viver como diz José Castello a “Poesia no Banal” e... “a ter a existência e a vida diária como um contínuo objeto amoroso”.
O olhar enamorado para as exposições, para os restaurantes e o pedacinho de Paris em São Paulo, ou em qualquer outro lugar, faz transformar o Banal em Poesia.