terça-feira, 16 de outubro de 2012

Reinventar-se para Viver




Tenho uma amiga em Paris que ficou viúva aos 42 anos e ao seu lado estão seus pequenos enteados: um menino de 13 e uma menina de 9 anos. Ambos abandonados por uma mãe oriental, que foi para Hong Kong e nunca mais quis saber dos filhos.
Nestas crianças dois lutos, duas formas de ausência. Em minha amiga um luto e a necessidade imperativa como eles, de equilíbrio e continuidade.
Se pensarmos bem, a vida realmente não pede licença para trazer os acontecimentos.
Como no filme argentino “O Conto Chinês”, baseado num incidente real, de modo súbito uma vaca pode cair do céu sobre um belo momento de felicidade...
Seria bem elegante se o destino antes de nos aportar algo, perguntasse – “Olha... Dentro de alguns dias algo acontecerá... Você está pronto? Quer mais um tempinho para se preparar?” É lógico que não daria certo. Ficaríamos paralisados pela antecipação.
Na edição de domingo do O Globo, saiu uma entrevista com o cardiologista Cláudio Domênico com o título “O Segredo da Melhor Qualidade de Vida é Saber Planejar e Romper Barreiras” nesta matéria ele afirma que “O nosso corpo tem limitações mas nosso cérebro e nossa vontade não.” 
Apesar da indiferença da vida exterior em relação à dor que ela pode nos causar, a nossa vida psíquica como uma forma de compensação, nos disponibiliza grandes dispositivos de enfrentamentos. 
Como afirmou Freud, o sofrimento tem um aspecto quantitativo e é através dos pilares de sustentação que o nosso ego nos oferece, é que se pode fazer uma resistência psicológica aos momentos mais difíceis ou mesmo as realidades mais duras. 
Ao longo da vida, uma pessoa se perfaz, através das experiências e das pessoas que elege para amar, e cada aspecto vai se inscrever nos espelhos mentais internos, de modo a fazer com que a visão da vida se realize nos pensamentos, através desses traços e dessas presenças internalizadas.
Se perdemos alguém, como os meninos que perderam a mãe – por abandono e o pai – por morte, no começo é difícil se pensar com capacidade para a continuidade.
O que fazer?
Deve-se como a expressão do Domênico – Romper Barreiras, utilizando a nossa ilimitada vontade de prosseguir de algum bom modo.
As possibilidades não se mensuram pela facilidade sentida ao se fazer algo. Na mudança, a possibilidade depende da Disponibilidade Mental, alavancada pela decisão e pela confiança na afirmativa que não existe limites em si mesmo para as boas adaptações.
Se alguém deseja parar de fumar? Terá que construir o não fumante, em paralelo ao fumante internalizado. Abstinências emocionais, são como lutos e podem ser compreendidas como resistências da imagem fumante no espelho mental, desejante em permanecer. Um verdadeiro duelo de dois seres internos. O esforço é dirigido a vencer um fantasma fumante, que quer pegar as mãos para voltar a existir como se fosse uma força possessora.
Quantos fantasmas internos temos que vencer, quantas partes de nós que não são úteis ou positivas que devemos controlar?
Para uma mulher que se vê divorciada, o seu perfil de casada deverá deixar de existir, como um copo de bebida habitual que deve ser vencido... Para um homem que se encontra viúvo, a sua identidade de casado deverá igualmente deixar de existir para que possa se reconstruir. 
Clarice Lispector tem um poema que diz –
“Sou isso hoje, amanhã já me 
reinventei.
Reinvento-me sempre que a vida pede,
um pouco mais de mim...”
Uma das grandes ideias que encontramos no pensamento lacaniano é sobre a possibilidade que uma pessoa tem de sair do embaraço. Fazer o impensável entrar no pensamento, fazer o que parece impossível ganhar forma em si mesmo. Transformar é fazer o irrepresentável entrar no presente, fazer o que parece abstração virar construção.
As ideias do possível desembaraçam as nossas amarras, quando transformamos a nossa vontade de vencer e recomeçar em materialidade.
Minha amiga tinha síndrome do pânico, mas percebeu que poderia vencer a si mesma. Precisava assumir o comando da sua própria vida.
O menino assumiu um lugar de pai, se tornando mais responsável sem perder a sua adolescência. A menina de 9 anos, que todos se preocuparam muito, colocou sua sensibilidade na música e decidiu estudar piano. Assim... os três viram, como no filme, a vaca cair do céu e matar quem amavam, mas não se deixaram esmagar.
Saíram do embaraço.
Reinventam-se para viver...

Manoel Thomaz Carneiro



3 comentários:

  1. Conseguir se reinventar, não é nada facil na pratica. Quando o nosso mundo parece desmoronar, a sensação de impotencia e fraqueza é muito grande.
    se reinventar é um processo longo e nada facil, mas, não impossivel.
    O tempo, o esforço a a nossa vontade enorme de sobreviver vai nos ajudar a chegar la.Vou caminhando certa da vitoria.Amanhã é sempre outro dia, e por que não, melhor? Beijo, Sônia Severianao

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  2. Sábia crônica, Manoel! A capacidade que temos de nos reinventar apesar de...é uma maravilha e nos dá força para continuar valorizando o milagre que é a vida. Beijo,Eleonora

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  3. Começar de novo sempre!Viver cada dia de uma vez,sem muitas espectativas,mas buscando sempre a realização dos sonhos!
    Este texto veio a calhar,para o atual momento que estou vivendo!
    Obrigada.Heloisa

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