domingo, 13 de outubro de 2013

O Mundo: Exposição Existencial

Outro dia um amigo me enviou uma crônica do Nelson Motta, e o respondi através de uns comentários a respeito. Recebi como retorno este dizer: “O engraçado é que quando recebo comentários cada um responde de uma forma pessoal. Todos querem dizer alguma coisa, mas a forma como comentam está sempre ligada a sua área de atuação. Deu para entender?”.
Além de compreender o sentimento que ele teve a respeito, me levou a pensar que a minha resposta de fato estava sob a ótica psicanalítica.
Pensei também que através da psicanálise podemos pensar todas as formas de narrativas.
Pode-se através dela refletir a política, as formas de governo, a necessidade de líderes, pode-se refletir os filmes, os quadros, as obras contidas numa exposição, as letras de música... Pode-se olhar o mundo com compreensão. 
O pensar psicanalítico me forneceu grandes percepções e trouxe um continuo ineditismo diferenciado sobre o que vivo, o que sinto, sobre o que fazem ou o que se faz. Ampliou minhas perspectivas e definiu minhas grandes mudanças de destinações.
Foi com esse olhar que fui ver a exposição no CCBB-Rio Yayoi Kusama-Obsessão Infinita.
Kusama é considerada uma das maiores artistas pop japonesas. A princesa das bolinhas como é chamada, transpõe para telas, roupas, esculturas e até para corpos nus as formas e as cores psicodélicas que enxerga nas alucinações que ela é acometida.
Kusama sofre de alucinações desde a infância. Nasceu em Matsumoto no Japão em uma família de classe média tradicional e segundo ela, bastante repressora. Desde cedo os transtornos mentais dela se traduziam em arte, mas a mãe destruía os desenhos da filha...
Na entrevista concedida para esta exposição no Brasil, hoje aos 84 anos afirmou: “Por sorte quando eu era muito jovem fui a um psiquiatra que entendia de arte. Desde então eu luto contra a minha doença, embora no meu caso, a cura estivesse em criar a arte baseada na minha doença. Desenvolver minha criatividade foi a minha cura.”
A criação de Kusama a ajudou a canalizar as ideias e manter-se viva. Ela chegou a Nova York em 1957 e lá entrou em contato com artistas como Andy Warhol. Hoje vive o auge da fama internacional e figura como a terceira mulher que mais ganhou dinheiro com o trabalho artístico.
O que seria dela se os desenhos deixassem de ser estimulados e fossem destruídos como a mãe o fazia?
A expressão pela arte ajudou-a...
Diante das dores inexoráveis da vida, ela nos ensina que nos mantemos viáveis através da criação. Criar é uma forma de segurar a pulsão de vida, de exercer a permanência na existência. A arte limitou a loucura que para ela é infinita, mas a segurou e a propiciou em manter-se numa direção e num propósito. 
O que nos segura na existência apesar por vezes das dores, dos destinos delirantes do real? A criação.
O nada a fazer, faz o nada. Concebe o Nada Ser.
Essa ideia sempre fundamentou minha narrativa interior diante dos meus momentos e ela fundamenta a minha fala profissional.
Precisamos obrar com as mãos, pois quem põe criatividade nelas põe sob controle a si mesmo...
Sentir controle sobre tudo é impossível, mas sobre si é absolutamente aconselhável e, portanto razoável.
A arte de Yayoi Kusama ganha os olhos de compreensão. Um significante que fala para quem souber ver sobre a mensagem do significado da sobrevivência apesar das limitações que recai sobre cada um de nós.
Na crônica para o jornal O Globo da edição de 12 de outubro, Paulo Nogueira Batista Jr escreveu: “O que é ser artista? É sentir como conteúdo o que os não artistas chamam de “forma”... E Paulo prossegue: “Nietzsche deixou também uma das mais belas declarações de amor à musica, que pode ser estendida as artes em geral: “ Sem a música, a vida seria um erro, um exílio, um cansaço.”...para muitos de nós, inclusive não artistas a arte é realmente uma necessidade vital. E, representa no fundo como disse Fernando Pessoa, uma confissão de que a vida não basta... Mais do que isto, a arte pode ser uma verdadeira comoção na vida, e conclui... Ela tem o poder de conferir aura e colorido...”
Como afirmou José Castello todos lutamos contra um excesso de mundo que nos sacode.
Cabe a cada um criar uma narrativa pessoal para se orientar no percurso da vida, no cotidiano dela, em cada ontem para o amanhã e como afirmou Stefan Zweig: “Para ir atravessando esse impenetrável hoje.”.
Para qualquer continuidade há que se depositar confiança na ideia que vencer esta longe de apagar, ou erradicar as sensações de agitações internas que cada um carrega, mas é catalisar essa força interna na forma de signos do fazer algo com imersão e profundidade. 
Muitos fazem coisas, mas sem foco, sem entrega e sem vínculo e mesmo sem atribuírem sentido existencial ao que fazem.
Fazem sofrendo ao invés de fazerem crescendo.
Fazer sabendo o porquê, o para que... Fazer para dar prosseguimento. Fazer com lucidez da razão... Fazer com atribuição de esperança.
Na ópera Turandot de Puccini, há um enigma que diz: “Quem é o fantasma que nasce à noite e morre ao amanhecer?”- Este enigma proposto pela princesa Turandot servia para afastar pretendentes, já que ela repudiava a ideia do casar. Um príncipe desconhecido acertou: “O fantasma é a esperança.”.
Nessa ópera a esperança era um fantasma que não sobrevivia a luz da razão e, portanto perdia potência.
Para mim todos aqueles que ultrapassam barreiras funcionam como Alentadores da Existência, que mesmo diante das crueldades, injustiças e sustos do destino preservam a esperança sob a luz da pulsão de vida, sob os abandonos das desistências. 
A idolatria ao sofrimento rouba a dignidade, empobrece a arte existencial.
Cada um fala sobre o viver sob uma ótica pessoal ou como o meu amigo me escreveu, sob o campo próprio de atuação...
Nietzsche pensava a existência e deixou o legado para que pensássemos a nossa, Freud nos narrou a vida do inconsciente e nos orientou a se sustentar nas opções do viver, Yayoi vive através das formas artísticas de seus delírios e nos fala da arte de viver, os compositores letram sentimentos e melodias, os médicos obram saúde, os engenheiros desenham formas para se viver, o ator encarna vidas sobre vidas, os chefes de cozinha fazem a arte de criar sabores para sensualizar a vida, os voluntários humanistas dedicam a existência para viabilizar o viver da humanidade, os pais responsáveis obram através dos filhos o amanhã possível e eu falo o que sei e de como sinto os modos da vida...
E, você?
O mundo se mantém mais interessante quando as pessoas obram com interesse.
O mundo é um contínuo vernissage de nossas expressões...
O que você expõe em sua galeria existencial?

Imagens:
Catálogo Mary Design,
obras de Yayoi Kusama e cena de Turandot.

12 comentários:

  1. Nossa que maravilha de crônica!!Adorei o link com a artista plastica Kusama e sua arte!Super bem colocado tb as relaçóes com Nietsze e Freud . E a conclusão simples de que todos temos que obrar com as mãos,pois quem põem criatividade nelas põe sob controle a si mesmo... E, eu me identifiquei muito com o meu trabalho de tabledesigner

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    1. Ana Paula
      Isso mesmo....Precisamos mesmo colocar a arte de ser nas mãos...
      Um Beijo
      Mãos a Obra
      Manoel

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  2. minha galeria existencial tem um gde quadro de grande admiração voce
    sonia di

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    1. Sonia...Obrigado...Um contínuo vernissage e nele o seu carinho
      Um Beijo
      Manoel

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  3. Oi Manoel,

    Você assistiu ao filme "Os Belos Dias"? Sobre uma mulher de 60 anos que se aposenta e que fica meio perdida. Eu adorei e, acho, tem muito a ver com a sua crônica de como temos que nos reinventar e resignificar diariamente.

    Bj,

    Eleonora

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    1. Eleonora...Obrigado pela dica...Já tinha registrado na programação, sobretudo porque adoro Fanny Ardant.
      Resignificar para dar sentidos evolutivos.
      Um beijo,
      Manoel

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  4. ...O que me segura na existência apesar de... eh a emocao que eu sinto...pode ser com uma musica...com um cheiro...uma vontade...em tudo que traz sentido.Na galeria, quero expor a minha melhor arte, a mais bela aos meus olhos e aos do mundo tambem, porque capaz de tocar, de emocionar, assim como a sua! Manoel, amo o que voce escreve e eh por isso que eu nao me canso de transforma-lo num presente a todos os meus amigos, quando eu lhes dou o seu livro! Obrigada, sempre! Andrea J.

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    1. Andrea
      Que forma linda do dizer carinho...Estamos nesta exposição investidos em fazer a melhor obra que nossas mãos puderem realizar...Sem dúvida elas podem muito.
      Um Beijo
      Manoel

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  5. Querido Manoel, ontem visitei a exposição da Kusama e só me lembrava de vc, de suas aulas sobre superação e sobre reinvenção pessoal. Quando abro meu computador cá está vc com uma linda cronica sobre ela, esta artista tão maravilhosa! Fiquei muitas vezes durante a visita, embebida de muita emoção por constatar que nossas doenças podem ser "dominadas" por nós quando verdadeiramente entramos em contato com elas. Parabéns pela cronica e pela simplicidade com que vc traduz nossos problemas. Essa simplicidade é fruto de um repertório intelectual inesgotável!
    Bjs carinhosos, Stella

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    1. Stella
      Um presente receber suas palavras de amiga e aluna no dia do professor. Obrigado.
      Que suas mãos continuem a expressar o melhor para se viver.
      Um beijo
      Manoel

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  6. Manoel, que crônica mais rica de dicas de bem viver e pensar. Você é um mestre nisso; obrigada pelo ensino.
    Não me canso de você!
    Feliz Dia dos Professores atrasado, to Sir with Love!

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  7. Denise...Sua percepção aguçada sobre os caminhos da vida psiquica são profundamente estimuladores para mim.
    Me leva a querer soltar cada vez mais aspectos.
    Vc contribui para a minha satisfação em ser professor.
    Um beijo

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