Mas Já?
23/10/2022
Ao abrir a caixa de correio, vejo o envelope dos Pintores sem Mãos com
os cartões de Natal…
Que susto e logo bem alto meu Narrador interior disse-me
indignado
" Mas já !!!...???
Mais tarde fiquei a contemplar a noite clara de uma
lua nua brilhante…
E pensei, o ano está terminando…Como o tempo é um
conteúdo passante. Abandonei logo meu pensamento quanto a finitude dos
365 dias para abraçar a ideia das horas que ainda teremos até lá…Afinal até
finalizar o ano muitos amanheceres e crepúsculos vivenciaremos…
São espaços para existirmos…Neles cabem
viagens, teatros, jantares, jornais a serem lidos, pode-se perder pelo
menos uns seis quilos, pode-se ter muitos momentos de amor, pode-se tomar ainda
vinhos, mudar radicalmente de vida, se encontrar, se desencontrar
…
Cada um pode ter muitas vidas nossas numa vida só,
até versões de si podem encontrar a pluralidade menos monotemática
e mais dialógica com os desejos e com a natural complexidade do
nosso próprio ser.
Mas, através do modo antecipador, uma segunda-feira
é vivenciada nos pensamentos nas horas da sexta-feira que se anuncia…
Há na vida o tempo objetivo, o lógico que é o
mensurável no relógio e no calendário... Através dele a entrada para o novo ano
nos fala ainda de meses, dias e horas… Mas temos também o tempo subjetivo
que é o vivido, e corresponde a uma experiência individual e existencial. Aí o
Natal pode ser hoje, o Ano Novo amanhã e os ontens podem continuar sem abertura
para acontecer dentro de nós
Quantos estão com a sensação que o tempo está mais
veloz?
A medida dele continua sendo a mesma, os relógios
marcam do mesmo modo há séculos a passagem das horas. As marcações subjetivas
do tempo é que foram alteradas pelo modo atual de se viver.
Uma pessoa que compra meses antes o seu Natal, quando
chegar lá irá falar do fim de ano, e no fim falará do carnaval e nele irá
organizar a Páscoa. E dessa maneira, se condiciona a existir sob um tempo
acelerado que sua mente subjetiva estará sempre amanhã sem capacidade para
apreender o hoje.
Por isso tem-se a sensação que o tempo
acelerou.
O Eu de uma pessoa que não está situada no agora,
se torna impedido de se alimentar das coisas presentes, pois está no imaginário
do porvir. Sem estar situado no hoje, ele avança para gerenciar os pensamentos
orientadores da situação futura.
Fui a um aniversário e estavam quase todos com seus
relógios internos adiantados, no controle do tempo, pois uns iriam viajar,
outros desejavam ir ao cinema, outro queria encontrar um amigo. Quase todos já
estavam onde não estavam.
Nossos pensamentos ficaram educados para este mundo
de milhões de informações e de atividades. Conseguir dar conta de tudo é
instigante, porque gera em nós uma sensação de potência. Em cada agora no mundo
contemporâneo as pessoas se ocupam em gerar vários amanhãs. O psicoterapeuta
americano Jonathan Alpert, sediado em Nova Iorque e que tem um grande
percentual de pacientes acelerados e ansiosos de Wall Street, falou que seu
consultório não apresenta soluções mágicas, mas é um trabalho de implementar
novos comportamentos, novas percepções quanto ao modo de viver para
potencializar a sensação de estar vivo e presente na vida...
Numa entrevista Gisele Bundchen falou numa
que em muitas ocasiões corre tanto para conseguir realizar o que precisa, que
às vezes tem a sensação de não estar totalmente presente onde está. Ela sofria
do que hoje se denomina “Ansiedade da Ausência de Si”. Você já não sentiu isso?
Está tão acelerado que não está no lugar que está, como se a alma estivesse
ainda girando por aí, se debatendo, mesmo estando você já sentado?
Gisele, diz que aprendeu a dar uma pausa, quando
chega nos lugares com essa agitação. Faz um exercício rápido de respiração: de
olhos abertos inspira forte e solta o ar. Falou que esse exercício dava a ela a
sensação de estar viva. Coincidentemente sempre fiz isto.
Faço esta chamada de mim toda vez que me sinto sem
foco no momento: seja no cinema, no teatro, no meio de uma caminhada... como se
chamasse minha alma para o agora.
O tempo é impossível de se multiplicar, sua medida
objetiva é sempre a mesma. A sensação subjetiva dele está ao nosso alcance.
Podemos senti-lo nos escapando, senti-lo mais lento, mais presente, mas de
qualquer modo é bom sempre lembrar: que sempre que cada tempo se coloca diante
de uma pessoa, ele se apresenta com um irônico sorriso de superioridade, pois
sabe que vive sem nós, mas que sem ele... se torna impossível qualquer um
viver.
Em busca do tempo perdido... Saudades dos ontens?
Nada disso autorizo em mim. Quando me vejo muito
mergulhado no fora daqui, no porvir de um futuro, recorro ao uso do CHEGA,
digo-me o BASTA, tão úteis para tantas coisas e desta forma me coloco vigilante
às ciladas de estar ausente aos momentos.
Ultimamente, tenho sentido saudades do Hoje.
Fixado no panetone, preso no amanhã, a procura de
um tempo perdido?
Atenção! Assuma o controle.
Chame a si do mesmo modo que chamamos alguém que
sentimos estar distante...
Ei... Psiu... Oi... Onde Está Você?
Psiu… Já foi?
Então já enterrou o hoje e nem viu os tempos
presentes do verbo existir…
Ah…. Cuidado… Corre tanto nos tempos…que de repente
nem mais tem tempo…
Que cilada tudo isto.
Tão bom o pão nosso de cada dia recheado da nossa
presença…
Uau… Diga adeus para este modo ausente…
Pense Nisto…
Manoel Thomaz
Carneiro
Psicanalista/Psicofísico
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